domingo, 30 de dezembro de 2012

Mudança?!

Como bons historiadores de buteco , sim é isso que somos, sabemos que toda essa divisão de tempo é construída historicamente pelos homens. Cada povo tem sua forma de contar o tempo, de acordo com seus costumes e a sua maneira. Vejam, por exemplo, o caos que um tal calendário Maia criou. Porém, definitivamente elas não existem.

No entanto, é praticamente impossível fugir das sensações que elas nos causam. Vejam, é o fim de mais um ano da era cristã, e de acordo com o calendário gregoriano estamos a um passo de um ANO NOVO.
A impressão de folha em branco se apossa de todos nós, e lá no fundo uma tímida esperança, uma promessa de uma nova escrita viceja em nosso ser. 
É claro que estaremos motivados logo no dia primeiro, tendo esta data como sendo o ponto de partida para iniciarmos aquilo que pensamos o ano inteiro. É uma nova chance de mudar os rumos de nossas vidas, mas a realidade e os vícios cotidianos nos põem a prova a todo instante.
As permanências sempre acabam superando as rupturas, como a história nos mostra. Então, somente quando a ruptura e “o extraordinário se tornam cotidianos” é que as coisas de fato mudam.
De qualquer forma será um ano repleto de espinhos, desapontamentos e, sobretudo... Permanências. Não obstante, que nossas rupturas, por menores que sejam, possam melhorar nossas vidas, e nos tirar - um pouco que seja - de toda essa miséria.


OTÁVIO SCHOEPS E MARCO AURÉLIO


sábado, 29 de dezembro de 2012

O mais íntimo desejo



Não quero a paz, quero o caos, a explosão trêmula num dia de sol, o som de ossos partindo e o sangue ardendo no olhar. Não quero a felicidade, mas a dor cruciante que fere almas e devasta irremediavelmente as cidades, os lugares mais inusitados. A bomba caindo, dramática e bela, descendo do avião com a mesma euforia de turista americano na cidade maravilhosa. Quero a desordem muda chegando de surpresa, quero esse silêncio perturbador, mais doloroso que os berros que se aproximam. E na mais profunda dor chegar ao abismo das almas perdidas, ao inferno fantasioso, na perdição de meus pecados.
Simpatia me enoja, céu azul de verão me deixa entediado, gosto da tempestade inquieta no fim da tarde, do trovão devastando qualquer outra onda sonora, e no furacão que vejo chegar por meio de noticiários, e rio, rio todo frenético, eles podem me chamar de maquiavélico, mas continuo com os olhos excitados, as veias molhadas e mais uma vez fervendo, sedento pela destruição em massa.
Iluminai-me escuridão, apenas com sua densidade, com a ausência de luz. Sou o demônio da estrada, roubando corpos para saciar o desejo de ouvir urros, gemidos e pedidos de piedade. O mundo está perdido, não por causa de pessoas como eu, só afogo meus desejos em realidade e desprezo a vida alheia, mas pelos quietos e obedientes, com insanidade comportada, pelo excesso de teoria e a falta de prática.
Sigo meu próprio padrão, talvez tão idiota quanto qualquer um, mas sou, infelizmente... Feliz. 


Gabriela Godinho

sábado, 22 de dezembro de 2012

TERRORISTA

Num bar imundo na periferia de São Paulo, um homem toma sua cerveja e assisti ao telejornal que trás uma notícia fresca vinda dos EUA,  no qual mais um doido comete uma chacina numa escola, matando crianças inocentes e professores, ele escuta a notícia sem esboçar nenhuma reação diante do fato, nenhum comentário, apenas pensa:
O ódio deve ser direcionado, enfiamos a vida no rabo com várias atitudes, eu mesmo me tornei policial, tenho muitas mortes nas costas e muitas medalhas no peito, matei muitos ladrões, estupradores, e nóias simplesmente porque eram folgados, mas hoje eu direcionei o meu ódio, persigo quem realmente fode a sociedade, e são muitas as pessoas das elites desse país, uma elite tão incompetente, que permite a minha existência, e se esse idiota dos EUA fizesse isso no congresso, enfiaria a vida no rabo, mas não mataria inocentes.

(TERRORISTA, seu nome não importa, sabe-se que ele era tenente da Polícia Militar do Estado de São Paulo, mudou sua visão de mundo e hoje é o terror dos corruptos).

OTÁVIO SCHOEPS

Mais uma a lá Bukowsky - De Charles Semem



Almeida sai de seu trabalho, mas antes de seguir seu rumo resolve parar no banco . Logo que avista uma vaga, lá estava um maluco se enfiando no meio da rua e desviando os carros para que Almeida pudesse estacionar. Ele estava com pressa, então nem pestaneja para encostar o carro ali mesmo.
- Boa tarde Patrãozinho, pode ficar tranquilo que aqui está seguro.
Almeida se incomoda um pouco, como o bom comunista que procurava ser, não gostava de ser chamado de Patrão. Afinal, embora estivesse engravatado e muito bem vestido em um terno marrom, era também empregado -  em um escritório de Advocacia.
Mas ele procura não se aborrecer com isso, vai até o banco e na volta deixa o dinheiro prometido. O rapaz agradece, e diz que este ano iria visitar sua filha no natal. Almeida não tem muita certeza se essa história procede, mas prefere não ponderar muito, toca a mão do jovem e segue seu rumo.
...
Mais tarde se encontra com uma garota, era bela e jovem, apesar de Almeida ser apenas cinco anos mais velho, a jovialidade da rapariga o impressiona. Sempre que sai com ela procura se barbear muito bem, para que a diferença de idades não seja tão gritante. Mas afinal que importava, estavam ambos na casa dos 20 e poucos anos, mas ela brincava, dizendo que ele estava na casa dos vinte e todos.
A conversa flui muito bem, enquanto fumam alguns cigarros e observam o movimento nas ruas. O paletó é deixado no banco de trás, assim como a gravata, o botão da camisa é afrouxado e as mangas arregaçadas. O clima estava agradável, era uma bonita noite de verão. Resolvem tomar algumas cervejas, e conversar em outro lugar.
...
De repente as bocas se calam, os corpos se aproximam e o sangue ferve nas veias, as faces ficam rosadas e algumas gotas de suor vicejam na pele. As roupas se amassam, e se perdem pelo chão, os lençóis já nem parecem mais terem sido tão cuidadosamente passados pela camareira.
- Estou em você - diz Almeida.
- E eu em você - diz a guria.
...
Depois disso mais alguns cigarros são fumados. Na hora do banho o chuveiro teve de ser regulado pela jovem, por que Almeida nunca foi bom em equilibrar água quente com água fria, sempre acabava ficando ou quente de mais ou muito gelado. Eles riem e fazem troça disso. 
Na concepção de Almeida isso era o amor. Pena que fosse efêmero. Pena que para não ser efêmero tenha de ser inconstante...

Charles Semem

domingo, 2 de dezembro de 2012

Quando a Escola Acaba.



Foto de: Marco Aurélio ( com ajuda de Raul Schiezaro )













Passamos muito tempo de nossas vidas na escola. Mesmo sucateada, a escola pública ainda representa o grande espaço de socialização de nossa juventude.
É neste espaço que se formam as primeiras amizades, os primeiros contatos interpessoais fora do nicho familiar. Normalmente é neste espaço que acontecem os primeiros beijos e abraços, os primeiros relacionamentos amorosos.
Como já disse passamos boa parte de nossas vidas na escola, pelo menos doze anos. Quando isso acaba, não podemos conter uma sensação estranha que surge em nosso ser, algo do tipo:
- E agora?
Pensar nessa pergunta é inevitável, afinal, por qual motivo passamos tanto tempo neste espaço? O que iremos fazer agora que tudo acabou?
Os que ingressam na Universidade, sentem um "gostinho" de que podem estender aqueles tempos por mais um pouco, mas logo percebem que não será a mesma coisa, nunca. Já os que entram de uma vez no mercado de trabalho, sentem ainda mais cedo o baque, as coisas mudam, e muitas vezes o horizonte revela uma realidade ingrata.
Isso é o que aconteceu comigo, e é o que percebo em muitos dos meus amigos e alunos. Quando a escola termina, muitos, senão todos, ficam perdidos, meio que a deriva.
O que causa todo este estranhamento, em minha opinião, é o fato de que a realidade em que os jovens são atirados ao final da escola é cruel. Querendo ou não, a Escola permite relações humanas mais próximas, espaços de convívio e um ambiente mais humanizado. É totalmente diferente do mesquinho cenário neoliberal, individualista e massificador, que configura o mercado de trabalho.
Quanto mais velho se fica mais vamos percebendo a impessoalidade e a mesquinharia que ronda nossa vida adulta.
Quando a escola acaba, só nos resta lutar contra essa ofensiva, criar espaços de convívio, de desenvolvimento pessoal e coletivo. Ou então, aceitar passivamente todo este processo, trabalhar, trabalhar e comprar o pacote completo da TV a Cabo.



Marco Aurélio

sábado, 3 de novembro de 2012

O silêncio

O silêncio atormenta
Mais que uma gritaria
O silêncio parece ser contra a nossa natureza
O silêncio é um turbilhão contido
A boca está fechada, mas a mente nunca,
Voamos mesmo que enjaulados
Pensamos mesmo que reprimidos
Olhamos mesmo que seja feio
Escutamos mesmo que sejam absurdos
O silêncio às vezes é mais alto que um tiro,
É mais doloroso que a bala perfurando a pele
É o abrigo que acolhe uma verdade, uma bobeira
É a tortura pra quem quer saber o que se passa atrás de olhos enigmáticos, sorrisos estranhos
É o que traz e o que tira a paz

Otávio Schoeps e Gabriela Godinho 

sexta-feira, 2 de novembro de 2012

Não há


Vem de um sopro as aspirações
Vão de encontro aos furacões
Em constantes vibrações
E algumas visões

As perguntas calam
As respostas se intercalam
As vozes vociferam
As pessoas se separam

As classes oprimidas,
Se oprimem
As classes dominantes,
Também se oprimem

Não há vítimas
Não há lutas
Não há vidas
Não há vitórias

OTÁVIO SCHOEPS

domingo, 30 de setembro de 2012

O artista da capa azul



Debruçado no chão chorando sobre um caderno velho, um homem que trajava uma pesada capa azul protegendo-lhe do frio, se via sem o que fazer com as inúmeras folhas brancas que o constituíam. Como num pesadelo intenso, ele cai num mundo sem fundo, ele se afoga nas próprias dores. Faz muito frio lá fora, lá dentro, apenas na capa azul é que encontrava o verdadeiro fogo, nela, crepitavam as chamas de uma fogueira perpétua. Apesar de toda desgraça, ele ainda era um cara de sorte. Apesar do cômodo vazio num apartamento muito frio, de uma alimentação a base apenas de pão e água, seus lábios machucados com o inverno, apesar de tudo, ele ainda era um cara de sorte.
  Abandonou o caderno empoeirado, agora desenhava usando os dedos gordos e roliços no chão, os molhava na tinta amarela, coloria o seu redor com um sol muito forte, por fim, dava contraste com um laranja. Era um enorme sol num céu âmbar, e do lado de fora, no céu retangular da janela, fulgura outro no meio de nuvens muito sujas. Queria tanto que o seu é que fosse real! Que saltasse do piso subitamente e se plantasse além do vidro da janela, não haveria nuvem alguma. Sonhava como uma criança, sem vergonha de seus devaneios pueris, se deliciava com a ternura que era sonhar.
Talvez, como criara o sol mais brilhante de sua vida, como o fizera reinar no céu como se fosse real, pudesse trazer ainda mais para dentro do quarto sem cor. Molhou novamente os dedos, sujou-os de verde, e do chão transbordou a natureza divina do mundo, tudo em poucos segundos, como se ele fosse Deus, ordenando à terra que germinassem as plantas. A grama não podia ser mais verde, ainda misturada com o laranja e o amarelo do sol, e da sujeira ele trouxe flores e frutos, saborosas mangas, bananas, mamões. Os dedos mergulhados na tinta, a vida mergulhada na graça da imaginação, ah, como o mundo belamente se transformava! Por baixo da capa a fogueira brilhava contente, por baixo dos sonhos se estendia a falsa realidade, ele deixara de cair no pesadelo.
Derramou no chão tudo que podia, o quarto era pequeno, mas cabia a imensidão de seu mundo. Ainda restavam-lhe as paredes úmidas, chovera naquela noite, então do forro acabaram vazando lágrimas poluídas das nuvens, mesmo assim, se ainda continha tinta nos potes cinzentos, não havia mais nada para impedir o artista de expressar seus sonhos. Assim, do cimento nasceram estrelas, como se passasse além do sol e mergulhasse no espaço azul escuro, dali, brilhavam os corpos celestes com uma incrível felicidade. Seus dedos dançaram na primeira parede, debilmente ele correu as mãos por sua extremidade. Na outra, o branco da lua era enorme, parecia que poderia entrar em suas crateras, apenas com as pontas dos dedos ele criou os detalhes, minuciosos, trouxe tanta realidade que às vezes tudo parecia deixar de ser tão infantil.
O artista continua em seu rumo agitado, ávido em terminar ligeiro tudo que planejara em sua mente conturbada. Deixava de ser tão solitário para cumprir os deveres que ele mesmo impunha. As horas se passavam, mas furtivamente os sonhos caíam de seus dedos, brotavam em todos os lugares, as horas eram como segundos quando o mundo começava a ser criado. Agora, ele suava, mesmo com o clima invernal, ao andar para lá e para cá, exclamar muitas vezes seu encanto, agachar e voltar ereto para alcançar os pontos mais altos das paredes, ao fazer tudo e mais um pouco, exigia de seu corpo a energia que não tinha. O suor pingava até a capa azul, arrastando pelo chão ainda molhado com a tinta, apagando tudo que criara com magia, assim como os sapatos de couro o faziam, ele destruía o que ele mesmo havia feito. Só não podia ver.
Ao fim das horas, as paredes estavam completas, o universo virava vida, ele se tornara o astronauta azul que resgatara a cor em todos os mundos, só sobravam as manchas de tinta em seus potes e na camisa xadrez que vestia por baixo da capa. Sorriu, satisfeito e ofegante. Bateu as mãos nas laterais de sua calça jeans, também suja pelo entusiasmo do homem. Subitamente olhou para o chão. Tudo que criara abaixo dos pés estava arruinado, se via pisando novamente no nada, caindo sem sentido no meio de um pesadelo louco.
Sentou-se aonde havia frutas frescas, aonde havia grama, mas lá, tudo se unira numa enorme mancha castanha por cima do âmbar. Como se nada pudesse piorar, a chuva havia novamente recomeçado, batendo no forro com selvageria, a tempestade comum de fim de tarde. Oh não! As lágrimas novamente vazavam das extremidades do teto, eram lágrimas que se tingiam de azul escuro, da alvura da lua, da cor dos planetas misteriosos espalhados por todo o lugar, caíam ao chão junto do rapaz.
Ele voltara a ser o homem miserável de sempre, agora, nem as tintas possuía mais, apenas o caderno jogado no canto do cômodo, que novamente se cobriria de lágrimas provocadas pela solidão.

Gabriela Godinho

domingo, 16 de setembro de 2012

A Doutrina da Besta – Segundo capítulo


Um homem, uma besta, um salvador ou uma promessa?

 Seu olhar estudou a calçada antes de adentrar no carro, que parecia todo mergulhado em negrume, sombrio e que trazia frieza em cada lugar que percorria. Naquele momento, na verdade, não tinha lugar algum para ir, nem sabia como perder-se pelos labirintos de concreto que constituíam a cidade, nada mais tinha graça, nem um gesto, um sentimento, uma via, um lugar, as coisas perderam os sentimentos havia muito tempo, removendo, talvez perpetuamente, o encanto que as coisas simples da vida traziam. Isso estava claro em seus monstruosos olhos, que carregavam mais do que dores, ambições ou verdades, carregavam as memórias, que continuamente moldavam com precisão tudo que se dizia por Álvaro Bozais. Ainda sim, quem era ele, afinal? Um homem, uma besta, um salvador ou uma promessa? E quem saberia responder? “Ninguém sabe responder”, diria algum homem temeroso até mesmo para olhar a besta por alguns segundos, diria uma mãe depressiva e um pai ausente. “Ninguém”, uma namorada estranha, um amigo da onça.
Lentamente a vida já nem fazia sentido conforme só houvesse interrogações pairando pelo ar, andando com a fumaça, dançando um tango com a poluição. Certamente já não tinha mais nada para se fazer naquele momento a não ser observar essa dança. O sol alcançava o auge do meio-dia, as nuvens começavam a engordar e escurecer lentamente, tornando-se sujas de cinza, os raios de luz que escapavam por entre elas, com seu fulgor, banhavam as cabeças que passavam pelas ruas, voltando para suas casas justamente do jeito em que Bozais descrevia. Cruzando os braços e sentando em seus sofás confortáveis, crendo talvez, que seus corpos realmente poderiam se estatelar no concreto frio. E mesmo com o temor, com suas mentes de repente tomadas por diversos devaneios, não havia o que ser feito senão esperar o desconhecido. E que outro desconhecido resolva, mas não eles.
Contudo, esse desconhecido pretendia fazer o mesmo ao ligar seu carro e voltar para o moderno apartamento que ganhara do pai, próximo ao centro da cidade. Talvez ele preferisse agora tê-lo comprado com seu próprio dinheiro, seu pai lhe dava tudo que julgava preciso, isto é, móveis, roupas caras, celulares, computadores e o que mais ele apontava e dizia “eu quero”. Amor, sorrisos e atenção não contavam. Tinha tudo para se tornar mais um mesquinho filho de papai, mas talvez sua personalidade fora além do que os pais construíam. Tornara-se um homem diferente, a besta, que friamente julgava não precisar de todas aquelas besteiras, e besteiras incluíam qualquer membro da família, qualquer laço de amor ou amizade. A memória profanada com o tempo, mas ainda sim clara, lembrava-o de tudo que fora, tudo que deveria ser e o que deixar pra trás.
Para quem vira Bozais, era difícil imaginá-lo criança, ainda mais do jeito que ele fora.

Sabe se lá quantos anos atrás... 

Um homem esguio se joga na velha poltrona, cansado de mais um dia de trabalho, deixava que os mesmos devaneios se despertassem da imaginação e passassem a correr pela sua mente, no lugar dos ecos perturbadores das últimas oito horas. Assim, ele olha o céu do começo de noite, o fim de tarde já vira das janelas do trabalho, quando teve o ímpeto de distrair-se de sua tarefa por alguns segundos, ele pôde ver o céu ser engolido por um manto de negrume, e naquele momento na sala de casa, ele via que várias estrelas foram salpicadas pelo manto, tornando-o menos macabro. A lua, por sua vez, derretia sua luz pálida pelo mundo, caía atravessando a porta da varanda e banhava um pequeno menino sentado no chão atrás da poltrona, abraçando seus joelhos, a cabeça é baixa, mas os olhos se levantam para contemplar os cabelos desgrenhados e quase totalmente grisalhos do pai, ele vê aquela cena como se fosse belíssima, como se fosse a primeira vez em que ele o via ali, parado, resmungando ou então quieto demais com seus próprios pensamentos que ninguém podia entender. Contudo, o filho tentava. Naquela sua mente pequena e confusa, ele se punha a imaginar o que se passava pela cabeça do velho.
Logo, o homem tirava um maço de cigarros e um isqueiro escarlate do bolso da camisa de listras, o fogo que acendera iluminava os pequenos olhos negros do menino, tornando-os levemente rubros. O filho observava a fumaça saindo por trás da cabeça de seu pai, que desconhecia sua presença logo ali. Era uma cena comum de uma sexta à noite, quando todos estavam cansados do dia corriqueiro e procuravam um refúgio para que tudo que acontecera pela semana fosse apagado em alguns sagrados minutos, que às vezes se tornavam horas e essas horas chegavam até uma vaga madrugada. E o pequeno continuaria ali, firme, sem emitir nem sequer o som de seu bocejo, evitando tossir ou espirrar, embora estivesse ficando doente e começasse a ser inevitável. Os pés descalços tocavam o piso frio da casa, mas cobertos pelo luar, ele fingia que o aquecia como se fossem raios solares, evitava as vertigens do sono até a hora que pode. Queria muito poder entender o homem que já adormecia com o cigarro ainda na mão direita, caída pelo braço do sofá. Queria muito saber dos seus sonhos e entender seus segredos, acima de tudo, queria que ele fosse mais seu pai do que costumava ser.
Mas aos poucos, o corpinho frágil e magro começa a tombar para o lado, mole e cansado de lutar para postar-se na posição em que estava, pedia desculpas a si mesmo, ao papai, mas tinha que deixar pra outro dia entendê-lo. De repente, uma mão fina e delicada tocara-o no ombro, segurou-o com calma e o guiou até a cama. Deitou-se de má vontade e a mãe saiu do quarto, deixando apenas que um pequeno feixe de luz adentrasse pela porta, assim, ele não sentiria tanto medo da solidão. Não tinha mais sono, então, nada restava senão observar os fantasmas imaginários movendo as cortinas e uivando nas janelas, os monstros debaixo da cama chamando seu nome e os enormes cobertores azuis protegendo-o de qualquer perigo que impregnava em seu amplo quarto. Ali, a luz da lua era impedida pelas cortinas pesadas, mas tinha certeza que na sala, aquele homem que tanto apreciava, recebia a graça de ser coberto por ela.

Voltando a sabe se lá quantos anos depois...

Finalmente chegava no estacionamento do condomínio, ocupando uma das últimas vagas, já que era raro os moradores saírem em pleno domingo, seus carros caríssimos descansavam. Possuíam horários previsíveis, dias vagos, mas o que se escondia por trás de cada porta talvez não fosse lá tão vago, era inimaginável. Embora todos os funcionários soubessem exatamente quando a srta. Souza descia para o café ou ia as compras, quando o Sr. e a Sra. Silva iam para o trabalho, até mesmo quando Bozais saía para almoçar em algum restaurante. Desconheciam o que tanto faziam quando voltavam, o que tanto pensavam após dizer-lhes um surpreso “bom dia” de resposta, tipicamente ácido e sem importância, quase que automático. Só não precisavam estudá-los e arriscar um “tudo bem?”, era mais fácil fazer seu trabalho quietos. E assim os dias passavam, as semanas corriam e os domingos duravam, consumidos pelo cansaço dos moradores. 
No fim do estreito corredor, uma das branquíssimas portas dava acesso para o apartamento de Álvaro, o número 53 era bem visto, sendo de um dourado que reluzia com as luzes ardidas tomando conta do âmbito. Além de ser habitado por um futuro homem importante para a nação. Poucos podiam dizer que estiveram lá antes, ele raramente recebia visitas, como já era de se esperar, a solidão era a única que sempre estivera ali por vontade de Álvaro e sempre seria bem vinda em qualquer dia, qualquer hora. Conforme ele aprendia a conviver com ela, a engoli-la à força durante tantos anos, começava a querê-la como quer-se alguém que já se fora, como quer-se a mais linda mulher. Sedento, ele procurava as vias mais vazias, as esquinas que quase ninguém dobra e os lugares que apenas solitários freqüentam. E vivia completamente bem de sua maneira, e continuaria vivendo por algum tempo, curto, mas tranqüilo e satisfatório.
Assim que adentrou, pôde sentir-se aliviado ao encontrá-la em todo o lugar, reinando com o silêncio, a solidão era mais que sedutora, era a única maneira de fazê-lo contente com alguma coisa. O abraçava quando ele largava seu corpo grande e desajeitado pela poltrona, apoiava a cabeça numa almofada qualquer, sentindo-se talvez, melhor que qualquer pessoa no mundo. Deixava no chão liso de madeira, sua maleta jogada sem pensar, Bozais era mais desleixado do que aparentava ser, em seus ternos e blazers mais bonitos, de sapatos engraxados por uma nova maquininha que comprara, por trás do homem bem cuidado, havia um outro que não ligava em deixar o que fosse no chão recém-encerado pela empregada. Esta vinha duas vezes por semana expulsar a solidão, maior paixão de Álvaro, e era obrigada a tirar cada meia que estivesse em lugares inusitados. Mas, aliás, ele a pagava mais do que bem. Não fazia mais que a obrigação, pensava quando levantava friamente seu olhar de um livro qualquer, para observá-la resmungando típicos impropérios.
Conforme os segundos passavam, a velha paisagem da janela se movia, os passos confusos de Álvaro perambulavam durante algum tempo, no fim, ao lado de seus pés jaziam uma taça e uma garrafa de vinho, seu corpo mole novamente jogado na poltrona. Via com uma incrível calmaria a luz laranja do sol de fim de tarde se esvaindo do quadro do corredor, esperando a noite como quem espera o dia depois de não conseguir mais dormir. Quando se viu apoderado da escuridão, esperando a lua ganhar mais altitude ao céu, não hesitou em tirar um maço de cigarros do bolso e um isqueiro do outro. Encheu a taça com seu vinho até quase passar a borda, deixava o liquido descer demasiadamente em sua garganta para tragar o cigarro entre seus longos dedos.
No mais tardar, a lua começava a cobrir sua imagem, vinda com sua luz atravessando os vidros da grande janela, a fumaça saindo por trás da poltrona, e quem sabe, o fantasma de um pequeno magricela observava-o admirado, que surgira da penumbra e se acomodara aonde encontrava o fraco luar aquecendo seu corpo pueril. 

Gabriela Godinho

PAÍS MALDITO

Como diz o adágio popular Deus é brasileiro,
Mas o Brasil é um país que exala mau cheiro,
Traz à luz cenas que parecem decalcadas do inferno
Onde o povo sofrido é destinado ao suplício eterno.

A droga se tornou uma instituição legal
Pois rende fortunas aos que difundem este mal,
A mentira é a exceção que se tornou regra absoluta
Usada pelos estadistas como se fora uma prostituta.

A violência desenfreada corrói a humana dignidade
Como um vírus inoculado para destruir a sociedade
Na simbiose entre empresários, banqueiros e políticos
Todos corruptos na obtenção de proveitos ilícitos.

O que aparenta ser apenas um prolixo devaneio
O Brasil carrega uma grande verdade como seu esteio:
Malditos governantes sequazes oriundos de força maligna
Não escutam o clamor do povo que almeja uma vida digna.

NELSON BARBOSA FILHO

sábado, 15 de setembro de 2012

Contradigo


Eu indico, me contradigo
Antissocial, antiquado  
Não concordo nem comigo
Anticorpos, antidepressivos

Não enche meu amigo
De todo ódio contido
Um dia eu consigo
Ser absolvido

O presente antigo
            Do submundo iludido
            O futuro, mal digo
            Do mundo corrompido
             
            Foi atingido, me vingo
            Ser ofendido
            Foi erguido, te sigo
            Ser perdido

             OTÁVIO SCHOEPS

Usuários de Droga / Desigualdade



Este vídeo é um projeto piloto, e tem como objetivo provocar a reflexão no que cerne ao diferente tratamento dado aos usuários de drogas, de acordo com a função social que cumpre e a hierarquia que ocupam na sociedade. Também é abordada a questão do "Estado de Bem Estar Social" e o que em TEORIA é a razão da existência do Estado.


Obrigado a todos que assistirem, comentem, critiquem, deem sugestões. Abraço =D



Marco Aurélio

quinta-feira, 13 de setembro de 2012

Faz frio debaixo dos cobertores, amor.


Minha vontade de voar é visível pra quem me enxerga com outros olhos. Com os mesmos olhos de quem me cortou as asas. Estar preso no chão é mais tortuoso do que pensei. Mas me acostumo. Sempre me acostumei, não foi? Por minha sede de viver ser enorme. Os velhos amores não morreram, só viraram lembranças. Por mais orgulhoso que seja, reconheço que tirei lições deles. Lições que agora te ensino, Beija-flor. Às vezes eles voltam, como ventos fortes batendo nas janelas. Aprendi que mantê-las fechadas evita dores…

Pra mim toda a poesia tem um lado sentimental, tem um pouco da dor-de-cotovelo, das lamentações. A minha poesia é formada disso. É engraçado, porque há alguns anos, eu me via sentado na rua, fazendo a minha poesia de calçada. Eu desejava ser assim, largado. Mas meu coração não quer mais isso, meu bem. Bastou ele te conhecer para abandonar toda a vida vagabunda que planejei…

Não mentirei pra você. Demorei a me acostumar com a dor que os teus espinhos causam quando entram em minha pele. Eu, que sempre fui um puta covarde, me doía sem reparar na tua dor intensa. O calor da tua pele é incrível, meu bem. É de queimar a minha. E o cheiro de mar do teu cabelo está por toda parte. Agora sei o porquê de você sumir às vezes. Eu não presto amor. Nunca prestei. Eu já matei algumas vezes, mas me mataram muito mais…

Hoje eu sei que estou inteiro e consciente, mas amanhã mesmo posso estar dilacerado. Eu mudo como as estações. Aliás, coisa que nunca entendi. Nunca vi a diferença que talvez exista entre as estações, pois quando você estava presente, o frio não era incomodo algum. Mas sem você tudo é inverno. As coisas realmente mudaram por aqui… E pra pior. E é por isso que eu digo que faz frio lá fora. Faz frio debaixo dos cobertores, amor.

- Isabella Gomes

terça-feira, 11 de setembro de 2012

Em Memória do 11 de Setembro

 
Excelente documentário. Imperdível.
 
 
 
Postado por: Marco Aurélio

domingo, 9 de setembro de 2012

Fundador




































Salve Salve leitores do Blog Lâminas Verbais. Faz muito tempo que não escrevo um texto assim - sem ser em forma de crônica. Estou me aventurando neste novo-velho estilo a pedidos de uma pessoa do público em especial ( espero que esteja atendendo as expectativas ). Agora chega de rodeios e vamos ao que interessa.


Sorocaba é uma cidade grande, quase uma metrópole, porém temos ainda a mentalidade de uma cidade pequena dominada por coronéis. Basta ver a Estátua que figura em frente ao marco inicial da cidade para perceber como funcionam as coisas por aqui. 
Homem, Branco, Proprietário de Terras, Católico e armado até os dentes; essa é a cara do nosso famigerado fundador. E essa é a cara da atrapalhada elite Sorocabana.
Por estas bandas tudo funciona na base dos "esquemões" acertados no fio de bigode, na venda de cargos e influências, no jogo de bastidores entre os donos do poder. O Sorocabano é famoso não por sua boa educação no trânsito, mas sim como barbeiro de carteira assinada. 
Além disso quando a cidade aparece no mais assistido jornal do país não é por coisa boa, mas sim pelo escândalo do CHS. 

Cidade tropeira é o escambau. Sorocaba é uma cidade de agricultores, depois operários que movimentaram teares e assentaram os dormentes da ferrovia, Sorocaba é nossa, é do povão.

Manchester Paulista? Não não senhor!!! Sorocaba é a Moscou Paulista. Sorocaba é a cidade onde valorosos trabalhadores vivem sobre a péssima e atrapalhada administração de uma elite que acha que é tropeira, e que no entanto não é digna nem de ser comparada as mulas - injustiça ofender o pobre animal.

ABRE O OLHO SOROCABA!!!!!!!


Marco Aurélio

Fiel Companheiro / Espetáculo




Um homem repousa sobre a calçada, vestes mal ajeitadas sobre seu corpo, nem o sol quente tampouco o chão duro parecem atrapalhar o seu sono.
Ao seu lado na vigília permanece o fiel companheiro, companheiro que não se importa com classe social, condição financeira, credo ou ideal, apenas com a companhia.



Marco Aurélio



sexta-feira, 7 de setembro de 2012

Mc Café



















O relógio de pulso anuncia: 2h e 57min da madrugada. O palhaço Gleizzon resolve fazer uma parada no Mc Donalds para tomar um café americano.
Há tempos atrás se incomodava até mesmo em passar na frente dessa famigerada lanchonete, hoje não ligaria de ser fotografado lá dentro. Tudo faz parte do sistema, está em todo lugar, ele não poderia fugir disso.
Gleizzon tem uma visão realista das coisas, não vê luz no final do túnel, embora tenha uma tímida esperança de encontrá-la um dia. Por enquanto ele sobrevive no mundo que repudia.
O jovem palhaço gostava de frequentar esse lugar nas avançadas horas da madrugada. Era nesse ambiente que via os tipos mais interessantes. Todos fazendo sua refeição noturna, após se esbaldarem em festas que mergulharam madrugada a dentro.
Os homens naquela noite seguiam um engraçado padrão. Alguns aparentavam meia idade, usavam, entretanto, roupas de jovens, sempre de grife; calça jeans, sapatênis e camisa pólo. Outros eram bem jovens, vestiam roupas da última moda.
As mulheres todas usavam vestidos de festa, extremamente curtos. Algumas, traziam nos pés ainda as sandálias de salto muito alto, outras já haviam sido vencidas pelo desconforto e estavam descalças ou de chinelos, porém ostentavam as marcas e os pequenos cortes causados pelas tiras do calçado que usaram a noite toda.
As conversas eram as piores possíveis, no entanto Gleizzon definitivamente não se incomodava, ao invés disso achava graça naqueles papos tão fúteis. As pessoas que Gleizzon mais admirava naquele espaço eram realmente as que faziam o atendimento. Pareciam exaustas, mas sempre conseguiam sorrir, e nem ao menos deixavam transparecer a miséria que se escondia naquele ato. Trabalhadores, admiráveis, exercendo sua função com maestria para garantir o ganha pão e encher os bolsos de um canalha que lucra as custas do trabalho alheio.

Gleizzon bebe seu café e reflete sobre sua condição, pega o jornal e vira as páginas. Mensalão, eleições, copa do mundo, as mesmas notícias de sempre. No entanto, não muda nada. Tudo parece estar como sempre esteve. Um ou outro abalo aqui, uma trinca e uma rachadura ali, mas o sistema continua de pé.
A opressão segue a passos largos, e até mesmo os oprimidos, quando podem, se tornam opressores. Basta observar uns minutos para notar um ou outro cliente da madrugada tratar o individuo que está do outro lado do balcão como um verme. Até mesmo o gerente e o supervisor, que já foram como um daqueles jovens, reproduzem a opressão que aprenderam após sofrerem-na em suas peles.

Até mesmo ele já reproduziu a opressão, e caso não se policie pode vez ou outra flagrar a si mesmo cometendo este ato tão vil e mesquinho. Certa vez ouviu sobre um cara chamado Focault, que que dizia algo mais ou menos assim; "a opressão mantem-se por que está instalada em todos os poros da sociedade e da vida cotidiana".
Pensar nisso arrepiava-lhe a espinha. É neste momento que ele termina seu café, ajeita a jaqueta jeans sobre os ombros e saí em direção ao estacionamento.Chegando lá encontra algumas pessoas ouvindo musicas que expressam o mais genuíno lixo da industria cultural, perto daquilo até mesmo o tosco álbum da "Malhação de 2001" parecia ser Old School.
Ele gira a chave no contato e segue para casa, onde vai beber alguma coisa alcoólica e revirar na cama até conseguir dormir.


Marco Aurélio

terça-feira, 4 de setembro de 2012

O Professor Pedro - Cerveja Gelada






O Professor Pedro sai de seu trabalho. Cansado, exausto, dirige até sua casa. Voltou a usar o carro, estava com muitas aulas e de certa forma isso facilitava.
Logo que chega e tranca as portas, abre a geladeira a procura de uma cerveja. Seus olhos percorrem, apreensivos, as prateleiras da velha geladeira bagunçada. Após uma rápida busca mal sucedida ele começa a considerar a possibilidade de sua mãe tê-la bebido.
Ele desiste por uns instantes, vai até o quarto, mexe um pouco no computador, conversa com algumas pessoas interessantes e retorna a procura. Agora estava mais decidido.

Pedro tinha certeza de que havia uma cerveja na geladeira, ele procura, procura e procura... Quando já estava se conformando avista uma bela latinha verde entre um pote de maionese e uma cebola usada. Nossa que alegria, aquela noite terminaria feliz.
Depois de uma dia exaustivo de trabalho, exatamente uma primeira segunda de setembro, nada mais merecido que uma cerveja gelada para alegrar.
Pedro bebe enternecido, recobra suas forças, suas energias. Pensa e reflete uns instantes sobre a vida, mergulha em seus pensamentos...



Marco Aurélio

quarta-feira, 15 de agosto de 2012

Onda

As contradições são nítidas e tangíveis
A esperança é ingênua e abstrata
A fuga é triste
A onda vem

A ressaca do mar
As ondas são bravas
Você a observa, sentada na praia
Uma ameaça concreta e líquida

A rebentação assusta e intimida
A areia está úmida com marcas de pés
O mar com sua água salgada
Cicatriza fétidas feridas

No seu ritmo peculiar
As ondas vão e vem
E nascemos e morremos
No nosso ritmo que não é o natural

OTÁVIO SCHOEPS

domingo, 12 de agosto de 2012

A Doutrina da Besta – Primeiro capítulo



O primeiro discurso 
 Seus passos ecoavam furiosamente pelo âmbito, perfuravam os ouvidos dos presentes, que se acanhavam e se auto-impediam de lançar o mínimo olhar se quer para a figura esguia que avançava em direção a uma varanda. Não poderia melhor descrevê-lo, ele se parecia com a dor, excruciante, ele já era a tortura em si, era terrível olhar muito tempo para ele. Mas quando queria ser, não havia humano mais dócil, se é que ele era um humano, contudo, cativava até os mais enregelados, até quem não queria ser cativado. O fato é, ele sabia seduzir os olhares mais críticos, controlar, manipular.
Seus cabelos negros passeavam com o vento, fora a única parte que todos puderam ver antes da besta transformar-se no anjo, e contemplar uma multidão. Da varanda se tinha acesso à paisagem pitoresca daquele verão, a calmaria da manhã trazia a paz, o sol banhava cada um que ali parava pra assistir. Nuvens tímidas formavam esculturas, o vento gélido ainda reinava por entre as quadras da cidade, ajudavam a deformar o céu, movendo-as constantemente e obrigando-as a dançar conforme a sua própria música, os uivos que batiam nas janelas do prédio onde os homens estavam, onde a figura esguia avançava.
– Não fora difícil atrair todo esse povo até aqui. – comentou um cara qualquer que estivera na sala, suas grandes mãos acenaram ao anjo, antes dele mostrar sua face impetuosa para toda aquela gente.
– Creio que não. É tão fácil distrair e manipular, são como bonecos, e é incrível, são todos iguais! – acrescentou o outro, delineando um sorriso cheio de malícia.
O anjo maligno entrou em ação, seus passos fortes foram cessados quando parou defronte da nação paulista, ouviu aplausos e algumas altas indagações, não estava num ponto muito alto, apenas no primeiro andar de um prédio histórico, não tornando difícil o contato que queria com o público. Saudou-os com um “bom dia”, sentiu-se rei, permitiu que seus lábios tenebrosos curvassem um sorriso amigável. Mas, quem era ele? Ninguém sabia. Só ele. Todavia, não era algo em que estava disposto a deixar explicito. Seu nome, seria mesmo a dor, mas ele próprio se batizara. Álvaro Bozais.
– Caro povo, confesso que deparar-me defronte a todos vocês não seja de meu agrado, mas, é preciso alertar-los de todos os riscos que corremos, juntos, toda a nação brasileira!
– Veja só, Gomes, observe... – cochichou o rapaz de grandes mãos para seu colega.
– Estou observando, Silva, deixe-me prestar atenção! – redargüiu o amigo em alto tom, chamando a atenção de toda a sala, até mesmo, do anjo-besta, que todos achavam ter o dom da eloqüência.
– Não podemos voltar para nossas casas, cruzar nossos braços e sentar em nossos sofás, sabendo que talvez em segundos, nossos corpos se estatelarão no concreto frio, sangue jorrará! Temos que agir, Brasil! Apenas observamos o mundo lá fora, sem saber que ele também nos observa, que ele calcula friamente a nossa derrota. Eles querem o que jaz em nossas terras, já não basta o quanto já foram exploradas outrora. Eu sei. Estivemos sempre ajudando outros países a exercerem seus papéis, pergunto-me se seremos sempre figurantes na história do mundo, pois, somos alvo fácil, o tiro certeiro destruirá toda uma nação! Fizeram-nos crer em suas crenças, desfrutar de sua cultura, comer seu pão e falar sua língua. Onde nós estamos nessa pirâmide mundial?
“Eu posso trazer-lhes a solução, meu povo, eu preciso do apoio de cada brasileiro, de cada rosto, cada coração, que se entreguem junto comigo, até o fim, que nenhuma morte será em vão, que cada alma será valorizada. Eu preciso do sorriso brilhando em nossos rostos. De uma união maior, do amor, acima de tudo, o amor por uma bandeira! Vamos tirar esse mundo azul, vermelho e branco, e transformá-lo em nosso verde, amarelo, anil! Mostrar nossas verdadeiras faces, livrar-nos do não reconhecimento, antes que sejamos mergulhados na penumbra. E se já estamos, tirar-nos-emos dela! Vamos proteger as almas brasileiras.“
– Agora, quero ver cada voz se levantar, pois todos nós sabemos essa canção...
O mundo vibrou diante dos olhos do anjo, que voltara a ser besta, ergueu suas mãos, deu inicio a um hino nacional ao fim daquele breve discurso. A banda tocava com fervor, mãos no peito, braços fortes, as vozes se uniram e formaram o timbre de uma nação crente. Os da sala, sorriram, entraram nessa dança amorosa entre o povo e a pátria amada. Comentaram com seus olhares espertos o que acabara de acontecer, mas aquela multidão não era a única a ser manipulada, estes também não conheciam a besta, apenas o anjo mostrava as cartas.
Ao fim do hino, eclodiu a esperança. Ninguém sabia o que o homem queria dizer com tudo aquilo, mas cada palavra fora capaz de trazer a ilusão de que haveriam melhoras dali por diante, e que eles deveriam lutar por elas, e crer em cada discurso. Não demoraria muito para que a besta desfrutasse do poder. Talvez, o Brasil fosse o lugar errado para uma revolução, muitos diriam. Mas, era mais que perfeito, alegaria ele no fim de seus segredos.
Os passos do homem voltaram a ecoar após a despedida, deixara peitos arfando, corações altamente lavados com o seu mais nobre discurso, a ambição resgatara cada um, os trouxeram para seu ninho, mas a tropa ainda não estava formada.
– Estou vendo que não deixaram a imprensa ter acesso ao prédio. –Gomes comentou ao seu amigo.
– Claro que não! Seria a ruína para nossos planos. Ta certo, deixar essa esperança, mas também um ponto de interrogação pairando por suas cabeças.
– E a nossa emissora aliada? Ah, como é ruim desconhecer os detalhes, Silva.
– Está transmitindo tudo ao vivo para todo o Brasil, mas não aqui, com o povo.
Gomes se calou por um tempo, talvez não fosse o único ali que desconhecesse cada minucioso detalhe daquele plano, mas sentira-se inferior até mesmo à formiga na cadeira, fitando, talvez, a besta, que não falava com ninguém naquele momento de questionamentos. Estava preocupado demais com sua própria mente. Mas, o jovem sentia-se tão assustado, como se o Álvaro fosse logo tirar uma enorme arma de dentro de seu blazer, e que ele seria o primeiro a levar uma bala no cérebro. Quis perguntar seu nome, servir um café, ser imensamente amigável e aí, não morrer assim, no meio da sala. Respirou fundo e virou seu rosto pálido para Silva, que exibia seus cabelos louros agitando com a brisa que vinha da janela, e olhos azuis penetrando em Álvaro Bozais. Não era o único. A figura alta, magra e negra chamava a atenção dos menos acanhados, que não hesitavam em encará-lo, como se perguntassem “E aí? O que vai ser?”, ele, por sua vez, lançava olhares de escárnio, passando-o para cada um ali presente, fixou em Gomes por mais tempo.
– Amanhã, Sphinx Hotel, três da madrugada. Quero que todos estejam lá, não são permitidas exceções. Tenham um bom dia.  – bradou Bozais para seus colegas e não esperou réplicas, quando se deram conta, a porta fora grotescamente fechada, e ele já saía pelos fundos com seu Camaro 78 preto.
“Três da madrugada?” Indagavam entre os outros, até que essa pergunta corresse por toda a sala antes de todos deixarem-na, indo talvez, para suas casas, com suas mesmas mulheres, mesmos filhos, mesmas vidas, e sabe se lá o que faria Álvaro, aonde iria com seu carro antigo de aparência perfeita, andando pelos cantos da cidade. Alguns diziam que ele correria por ela até resolver almoçar num restaurantezinho de estrada. Todos alegavam que ele ia completamente sozinho, não tinha esposa nem filhos, tampouco amigos que estivessem ao seu lado quando ele precisasse. Mas, ele não precisava. Outras pessoas diziam que ele ia em seu sofisticado apartamento chorar e beber uísque até não poder mais, e que aquela sua solidão o havia deixado assim tão frio e maléfico, que dera tempo para que ele bolasse o plano todo, que talvez, eles tivessem conhecimento naquela madrugada. Bom, ele poderia estar fazendo os dois naquela singela tarde.
Assim, todos os engomadinhos da sala foram saindo, aos poucos, deixando para trás a multidão que se desmanchava, como água que serpenteava pelas ruas. Seu dia aguardava memórias, pensamentos, uma matéria na TV. Todos foram embora incessantemente amando a pátria, isolados com suas próprias ideias, suas verdades. O mundo se desfazia de repente, para que montassem em suas cabeças uma realidade diferente, sonhos que eles deixavam amostra. Enquanto Bozais, indiferente, tecia as linhas da sua vida, e os outros tentavam decifrá-la. 

Gabriela Cazonatto Godinho

segunda-feira, 30 de julho de 2012

Câmera Nova / Indião / Alecão Abandonado



Indião solta o verbo e apresenta nosso projeto. Em um vídeo piloto e muito mal feito, mas que servirá como norte para o que iremos fazer ao longo deste semestre!!!

Abraço.

domingo, 29 de julho de 2012

Religião , fé e Deus



No Mundo existem inúmeras religiões, cada Deus tem os aspectos de seu povo, os judeus em seu tempo de opressões, tinha um Deus que era bondoso, caridoso que ajudavam os pobres.
A busca por um Deus se resume pela fé, pela eternidade espiritual e pelo perdão de seus pecados.
Freud (um filósofo, psicanalista) diz que Deus e uma necessidade humana, para suprir perdas ou algo do tipo, então cada cultura criou seu Deus por necessidade. 
Ao decorrer do tempo essas religiões criaram, conceitos e regras, ideais e objetivos a serem compridos. Mas esses conceitos muitas vezes acabam gerando conflitos entre as religiões. 
Então antes de falar das religiões alheias, olhem seus conceitos e reflita sobre eles . 

 Thalia Rodovanski e Cristian                                                                                                  

sexta-feira, 27 de julho de 2012

Ser professor na rede pública de SP está cada vez mais divertido

Ser professor da rede pública de SP é muito divertido, pois palhaços do governo do estado nós já somos.

Charge dedicada em memória ao meu grande amigo, desenhista, escritor e  professor de Filosofia Clayton Ferraz (vulgo Jesus Cristo kkkkkkkkk) que um dia quando estávamos bebendo e conversando fez uma brincadeira comigo que me inspirou a fazer essa charge. 
Ass-Petit ( Violeiro sem Destino♪♫♪).

domingo, 22 de julho de 2012

Incompetência coletiva e segurança





 Como bom caipira eu gosto de andar de metrô em São Paulo, mas o interessante disso é ver como a preocupação com a segurança dos usuários do metrô ao colocar nas plataformas grades de segurança para proteger a população dela mesma, isso reflete a incompetência de toda uma população de ser incapaz de respeitar uma simples fila e não saber se portar de modo seguro num lugar público, comportamento esse apenas legitima atitudes arbitrárias do Estado perante a população. Essa segurança é jogar na cara que somos completamente idiotas e parecemos gado no curral, pois é somos gado.

OTÁVIO SCHOEPS

sexta-feira, 20 de julho de 2012

"eu te amo" não é "bom dia" e um ensaio sobre a espera


Tenho uma coisa pra falar sobre essa coisa de "eu te amo não é bom dia" e sobre o "nossa geração não sabe esperar, só quer relacionamentos rápidos que dêem prazer". Acho que a primeira coisa a ser dita é que, antes de tudo, essa é uma opinião minha, portanto não é a verdade e muito menos espero que todos façam isso que eu vou falar... só quero propor uma nova maneira de pensar, quero sim discutir sobre isso, pra quem tiver afim e realmente quiser crescer com a discussão.

Primeiro, acho que realmente não existe comparação com um "bom dia" e um "eu te amo". Nenhuma comparação. Mas eu sinceramente nunca tive conhecimento disso que se imagina do amor. Não que eu nunca tenha amado, não que eu não ame meus amigos, minha família ou alguém que eu tenha estado junto. Mas essa coisa de sentir frio na barriga, de querer estar junto toda hora, de sentir atração física, querer carinho, querer contato e acima de tudo querer ter a atenção e o cuidado dessa pessoa, eu não tenho certeza se é o amor que se prega. O amor que se prega é eterno, é exclusivo, é transcendental e tudo mais que você facilmente encontra descrito naquele poema de Camões. Aquele amor, sinceramente, eu não acho possível em humanos que tem tantos desejos pessoais, tanta subjetividade e passa por tantas mudanças. E se ele existir, pode existir por um momento, por um tempo, mas não pra sempre. Uma hora você cai na real e ve que a vida não é só ilusão e idealização, daí se depara com a realidade. E é nessa realidade que eu acredito que possa existir amor. Um amor consciente, um amor que TAMBÉM, mas não EXCLUSIVAMENTE, é racional.

Penso que é exigir muito de qualquer pessoa, que ela tenha certeza de seus sentimentos e escolhas, em qualquer momento da vida. Isso inclui o amor. O "eu te amo" hoje significa muita coisa, mas muita coisa mesmo, inclusive que você está amando alguém, mas nunca significa que você vai amar essa pessoa pra sempre. O "eu te amo" é um recurso pra descrever sua situação atual, seu objetivo atual e tudo mais. Um "eu te amo" solto no ar, sem nenhum contexto, sem nenhum relacionamento, sem nenhum respeito, pode significar tanto quanto um "bom dia" pra um estranho. "Eu te amo" não é "bom dia", mas "bom dia" não apenas "bom dia" também. Sou a favor de demonstrações de carinho e respeito de qualquer forma, mas sempre dentro de um contexto, de uma relação. Sou a favor do uso do "eu te amo" como "bom dia", mas que seja clara pras pessoas envolvidas o significado de ambas as expressões.

Vou pra segunda parte agora. Eu penso que a gente não sabe esperar, pois não sabe o que esperar. Não tem muito o que esperar, pra falar a verdade. Você pode acreditar no que quiser, em Deus, em Buda, na ciência, em nada, todos vão te dizer a mesma coisa: não da pra saber o que ta reservado pra gente no futuro. Isso não significa que não tenham coisas boas lá na frente, que você não vá colher o que plantou e tudo mais. Não que eu acredite que você colhe o que planta, mas isso é outro debate. Mas o futuro a (insira aqui uma divindade ou uma crença, real ou imaginária) pertence. Não estou sendo pessimista, isso me soa mais como realidade (não que eu tenha grande conhecimento sobre ela, mas em alguma coisa eu tenho que acreditar, mas isso também é outro debate).

Onde eu quero chegar é o seguinte: pq eu preciso esperar? Eu não sei o que vai acontecer, o que eu vou estar pensando ou fazendo daqui uma semana, daqui um mês, um ano. Eu prefiro viver o que tiver pra ser vivido agora. Não to falando de ser inconsequente, de não respeitar as pessoas e tudo mais. Pq a gente sempre precisa lembrar: não há garantias que o amanhã existe, assim como não há garantias que ele não exista. Na verdade, baseado na minha experiência empírica pessoal, o amanhã existe sim. Mas não é tão certo como se imagina. E penso que aí que tá o problema. Acreditar cegamente nessa experiência pessoal, faz a gente não viver a realidade que tá posta pra gente nesse exato momento. A gente tem uma visão do futuro como se lá estivessem reservadas todas as alegrias da vida, toda a parte boa, tudo o que a gente sofreu sendo recompensado. Eu já vi pessoas de diversas idades dizendo isso, o que me faz pensar o seguinte: quando que essa plenitude, essa felicidade completa chega?

Eu acredito que o futuro não nos pertence mesmo, por isso temos que viver o presente. Sem inconscequência, sem desrespeito, pq pode ser que o amanhã exista mesmo.

Rodolfo Della Violla

quarta-feira, 18 de julho de 2012

Carvão, solidão e cinzas.


Alho socado, pimenta do reino, cheiro-verde, manjericão, e limão rosa. O frango foi temperado, não era o caipira criado solto no meio do milharal e sim comprado no supermercado, embalado e congelado; no entanto o mais importante naquele dia seria a tradição da família.
Farinha de mandioca, ovos, toucinho defumado, cebola, linguiça, azeite dendê e miúdos da ave, acompanhariam o assado à mesa.
O forno já não era de barro, aquecido com as brasas dos tocos de árvore, e sim, à base do combustível  comprimido no botijão, todavia, a cozinheira pretendia manter a tradição em mais um domingo de maio.
A simbólica data jamais deixou de ser comemorada com mesa farta lá no topo do morro Paranapiacaba. 
A música a tocar trazia nostalgia a pequena cozinha, da casa nova na cidade, comprada em plano de trezentos meses. A moradia em nada se parecia com aquela feita de madeira e tão espaçosa lá no alto da serra.
O rádio também já não era o mesmo, aquele de pilhas ficou jogado na lama do banhado. Pois a moderna moradia possuía energia elétrica, porém a mulher olhou pela janela e não conteve a emoção ao lembrar do lampião, fogão a lenha, e galinhas cacarejando a procura de insetos para os pintinhos no quintal.
Belas lembranças, triste realidade. O cheiro de gás interrompeu os pensamentos da solitária senhora. A farofa virou cinzas e o suculento prato, carvão. A baiana chorou, não pela dor das queimaduras nas mãos, mas sim pela ausência dos filhos dispersos em compromissos diversos.
Não só habitação e utensílios eram outros, os hábitos também mudaram. A numerosa família quebrava a tradição passada de pai para filhos.
Falamos não das mães dos reclames comerciais, e sim, das donas ninhas espalhadas pelo mundo, estas não são virtuais, são de carne, osso, sofrimento e muito amor. 
Tanta falta, elas nos fazem.



O segundo domingo de maio é muito triste
 aquele que tiver duvidas deve 
deixar o órfão opinar...



Autor: Neusir Índio.