sábado, 28 de janeiro de 2012

O Palhaço Gleizzon / Crônica Urbana II






















Gleizzon estava em sua casa, sem sono mais uma vez. Então ele veste uma camisa de flanela qualquer - fazia frio lá fora - pega suas chaves, checa os documentos, desce as escadas do prédio e sai para caminhar na penumbra.
Pelas ruas o silêncio imperava, apesar do que dizia Malthus sobre a superpopulação, ali no terceiro mundo, naquele subúrbio e àquela hora da noite, até que a cidade estava bem vazia. O jovem palhaço caminhava tranquilo, seu corpo esguio movia-se com graça pela semi-escuridão, os postes passavam vagarosamente pela sua vista, um após o outro.
Havia chovido recentemente, as ruas ainda estavam úmidas, e os pneus de um ou outro carro, que passava solitário, faziam aquele característico barulho de borracha que passa enxugando o pouco de água que sobrara  sobre o asfalto.
No bolso da camisa um isqueiro e o ultimo cigarro que sobrara naquela noite. Ele o acenderia em breve, assim que encontrasse um local tranquilo para fumar. Enquanto isso ele brincava com o fluído do acendedor, que mexia-se graciosamente conforme Gleizzon o balançava com sua mão canhota.
Antes de alcançar seu "locus amoenus" urbano, ele ainda teve tempo de observar o céu. A lua não estava presente, mas as estrelas lá estavam, vários faróis no manto negro que havia sobre sua cabeça, e apesar do esfumaçado céu que se apresentava naquela noite chuvosa, ainda era possível reconhecer as três marias;  um dos grupos de estrelas que o jovem palhaço mais gostava.
Já em um lugar completamente tranquilo - o velho ponto de ônibus - Gleizzon retira de seu bolso o cigarro amassado que lhe sobrara, acende-o com calma e dá uma tragada. O silêncio era tão grande que era possível ouvir o fumo queimando. Naquela noite, o silêncio era tão grande que seria possível ouvir os gritos de sua alma, porém naquele momento nosso jovem estava sereno. Atipicamente as coisas estavam se encaixando.
Na metade do cigarro ele vê um homem passando pela rua com uma bolsa na mão. Era um operário, que voltava de uma dia fatigante de trabalho. Então ele pensa que na casa daquele trabalhador provavelmente o aguardava uma comida fria, que com sorte foi gentilmente embrulhada por sua esposa em um papel alumínio e colocada dentro do microondas. Ele iria chegar, tomar um banho, esquentar sua janta, sentar-se à  frente da TV com o prato ao colo, acompanhar o jornal da noite enquanto comia e então se deitar. Talvez, com mais sorte ainda. faria sexo... E no outro dia, começaria tudo outra vez.
Era isso o que Gleizzon pensava, e era isso o que provavelmente iria acontecer. O sistema gira em torno da rotina, não é difícil prever o que é óbvio. O fumo já estava próximo ao filtro quando nosso jovem encerra sua reflexão, então ele se levanta e começa sua caminhada para casa. Em seu lar o que o esperava era uma lata de cerveja na geladeira, que por sorte ele havia esquecido de tomar. Naquela noite haviam motivos de sobra para o sorriso que vicejava no rosto italiano de nosso jovem palhaço. Apesar dos pesares as coisas pareciam estar se encaixando...


Marco Aurélio

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