segunda-feira, 23 de janeiro de 2012

O Palhaço Gleizzon / Crônica Urbana



O jovem palhaço Gleizzon resolve sair de casa para dar uma caminhada, mesmo sob a garoa fina. No bolso de sua jaqueta jeans um maço de cigarros, na mente um turbilhão de idéias. Era o caso de Pinheirinhos que ele não engolia, eram os problemas em sua vida amorosa, eram as conversas cada vez mais fúteis entre as pessoas - acerca da programação da TV ou de suas vidas medíocres. Tudo o incomodava naquela noite.
Ele caminha na chuva, tranquilo por estar longe de tudo isso, em silêncio ele caminhava e pensava. Sobre o asfalto úmido das ruas desertas do pequeno bairro, as passadas do jovem palhaço soavam firmes. A cada perna que avançava seu all star preto - todo sujo - deixava uma impressão sobre a fina lâmina de água.
Após andar por uns instantes senta-se no banco de ônibus da pracinha que havia em seu bairro. Então, ainda só, ele retira um cigarro do maço, apanha os fósforos e acende o careta. Fumando ele pensa melhor ainda. A fumaça esbranquiçada que sai de seus pulmões logo ganha o céu, misturando-se a garoa fina e proporcionando um bonito espetáculo ao jovem palhaço, que se diverte com isso. Parece triste, mas naqueles tempos não havia muito com que se divertir. Ele ainda acreditava nas pessoas, mas parecia que elas faziam de tudo para que ele desconfiasse das mesmas.
Gleizzon, um artista tão jovem, e já tão frustrado. O caso é que ele já havia se acostumado com toda aquela depressão. Era como um cancro que de tanto tempo que estava lá, incomodava menos. Ele termina o cigarro e antes de começar outro pensa ainda mais um pouco.
A chuva fazia um som tão bonito, as batidas das gotas na telha de zinco que cobria o ponto de ônibus parecia um agradável fundo musical. O pneus dos carros, rasgando a capa úmida que cobria as ruas. O som longínquo de uma ou outra TV que estava ligada na vizinhança. Pobres trabalhadores - pensava ele - estão aguardando mais um dia de trabalho e exploração. Também, que direito tenho eu de lhes tirar essa anestesia?
O fato é que a anestesia das massas não lhe servia, então ele fazia a sua de modo excêntrico. Mas ainda assim era anestesia. Há pouco tempo tinha perdido suas ilusões a respeito de uma garota, então era preciso se anestesiar de alguma forma. E nosso jovem percebera que naquela noite o simples movimento das coisas poderia servir. Havia tanta beleza no mundo para ser observada, e estava ao alcance de qualquer um, contanto que não se importe em molhar-se um pouco.
Ele acende mais um cigarro e pensa mais um pouco. De tanto pensar até deixa o cigarro queimar sozinho entre seus dedos. A fumaça sobe como se estivesse dançando no ar. E as ideias se agitam no cérebro de Gleizzon como se em sua cabeça estivesse acontecendo um baile de maxixe. E as perguntas surgiam:
- O que posso fazer para não ser mais conivente com este estado tão sem vergonha?
- O que dizer para as pessoas que me decepcionaram?
- O que fazer para acabar de vez com toda essa frustração?
- O que esperar deste mundo tão belo mas que ao mesmo tempo é tomado por ninharias e mesquinharias sem fim?
- O que fazer? O que não fazer?
Bom, naquela noite o cigarro acabou e Gleizzon não encontrou resposta alguma. Mas ele sabia que elas viriam um dia, se não estivessem no ar, estavam dentro dele mesmo. Ele então olhou as horas - o vidro de seu relógio ainda estava cheio de respingos de chuva -, então ele o limpa com sua camiseta e confirma: - 22h22min. Era hora de voltar para casa, repousar seus ossos e se preparar para um novo dia.


Marco Aurélio

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